segunda-feira, 27 de julho de 2009

Coisas que acontencem por estas bandas

A COBRA

O sujeito era magro, tez branca, olhos claros, cabelos grisalhos, bigode grosso com tintura avermelhada e olhar assustador. Na verdade havia um receio com aquele homem esquisito, taciturno, pouca prosa que respondia com monossílabos aos que a ele se dirigiam. Raramente era visto sóbrio, cachaceiro inveterado, vivia metido consigo mesmo e passava a maior parte do tempo em estado alterado de consciência pelo conhecido desatino que a tal da minduba tem o dom de provocar.
Toda tarde estava ali no mesmo Bar, calça desbotada, camisa xadrez com os botões abertos, botina, cinturão de couro e chapéu. Quando se dirigia ao taverneiro para pedir uma pinga apresentava as moedas com a mão esquerda e com a direita chamava a atenção do atendente com um gesto que distanciava o polegar do indicador para demonstrar o tamanho da dose pretendida. Chamava-se Astrogildo e foi ele que, numa tarde, por força do destino e do álcool, protagonizou um espetáculo que deixou seu nome cravado na lembrança de quem testemunhou a cena que o transformou numa lenda do povoado.
Socorro!!! Depois de ouvir o apelo todos se voltaram para o outro lado rua. O cenário era desesperador. Cinco mulheres que minutos antes conversavam descontraídas, agora estavam ali estateladas, como se estivessem diante de um monstro. Alguns segundos de silêncio e todos tomaram conhecimento do ocorrido. A personagem central, causadora da confusão, era uma cobra, um réptil de mais de um metro de comprimento, cores rajadas cuja espécie ninguém sabia dizer. O animal havia saído do cano de esgoto que deságua na sarjeta. Todos estavam perplexos e a cobra, assustada, arrastava-se na procura frenética de um lugar seguro. Muitos curiosos tomaram o local, ninguém tomava uma atitude, só os palpiteiros se manifestavam:
-Mata ela! Bradou um rapagote com ar de predador
-Não vai matar não Senhor! Contestou uma adolescente.
-Parece que não tem homem por aqui?! Desabafou uma velhinha.
-Liga para o Corpo de Bombeiros! Esbravejou um senhor idoso.
-Quietos que é melhor, ela vai embora! Sussurrou um garotinho.
O burburinho estava formado até que surgiu o Astrogildo com pose de herói. Ele, que até então observava à distância o desenrolar dos fatos, se converteu no mais valente dos homens.
Como se fosse o próprio D. Quixote de La Mancha, defensor das viúvas e desamparadas, atravessou a rua ziguezagueando, aproximou-se do animalzinho e numa destreza de fazer inveja a qualquer pessoa sóbria, zás!!! Diante do olhar assombrado dos espectadores pegou o bichinho com as duas mãos, uma segurou a cabeça e a outra a cauda da infeliz. O aplauso foi geral, todos estavam admirados da coragem e da proeza do Astrogildo. Em pouco tempo estava rodeado por uma multidão de curiosos. As crianças se divertiam com tudo aquilo e a histeria era geral. Numa manifestação espontânea e eufórica gritavam: - Viva o Astrogildo!!! E os gritos eram acompanhados pelas palmas.
Passaram-se alguns minutos e foi-se o encanto do acontecido, as pessoas se dispersaram, as crianças voltaram a brincar, as mulheres entraram para suas casas e o coitado do Astrogildo ficou ali, sozinho, segurando o ofídio que se contorcia para se livrar daquelas mãos tenebrosas. Para complicar ainda mais, o efeito da “cangibrina” passou e o estado de lucidez o resgatou para a vida real. Foi aí que o Astrogildo se espavoriu, precisava soltar o animal mas não sabia como. Entrou em pânico e sem deixar transparecer buscava uma saída honrosa. Apavorado e com medo de soltar e ser picado pela serpente, começou a apertar à coitadinha...e apertava com tamanha força que o bichinho foi se esfacelando até desfalecer e deixá-lo com as mãos, os braços e a roupa toda ensangüentada. Nesse momento, um pouco mais aliviado, o grande herói entrou no boteco, encostou a barriga no balcão e, com a voz entoada, gritou: bota uma dose dupla da braba aííííííííí!!! Abriu a boca, jogou o líquido na goela numa tragada só e, à vista de todos, virou às costas e saiu porta afora. Pelo que se comenta por àquelas bandas, nunca mais se teve notícia do Astrogildo.

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