quinta-feira, 27 de outubro de 2022

COMO ORGANIZAR NOSSOS PENSAMENTOS


COMO ORGANIZAR NOSSOS PENSAMENTOS

O que diferencia os homens dos animais é o pensamento. Que diferencia os homens entre si é a qualidade desse pensamento. E, para melhorar essa qualidade, inventamos a educação, a psicologia, a literatura, a poesia.

Sim, temos essas ferramentas para melhorar nossa faculdade de pensar, mas, por outro lado, algo nos atrapalha: os excessos. As mídias variadas que disputam nosso interesse, as notícias frescas e requentadas que se acumulam em nosso buffer mental esperando a análise mais cuidadosa que nunca virá e as informações de múltiplas faces que esperam ser analisadas e absorvidas, têm o poder de provocar o curto-circuito que quase nos transforma em paralíticos mentais, claudicantes nos pensamentos, vacilantes nas respostas e inseguros nas decisões.

Nessas horas de exageros, o certo é tirar o pé do acelerador mental, raspar os excesso e focar. Os cientistas chamam essa prática de isolar e pinçar. Isolamos o assunto que nos interessa e o pinçamos do meio poluído, então conseguimos vê-lo com mais clareza. A isso chamamos de pensar bem.

Quando, no meio de uma confusão, alguém semicerra os olhos, olha para baixo em um pequeno ângulo e diz “pensando bem…”, acredite, ele isolou o assunto que o interessa e se livrou dos excessos. Nesse momento, sua capacidade de análise aumentou consideravelmente e é bom escutar o que ele tem a dizer.

Pensar é fácil, comum e rotineiro. Pensar é biológico. Pensar bem exige consciência, serenidade, preparo. Pensar bem é mental. Todo mundo pensa, nem todos pensam bem. Pensar bem é vestir o escafandro do interesse e ir fundo em uma questão que até então era tratada superficialmente. E quando mergulhamos vemos outro mundo.

Um mergulho na realidade

A metáfora do mergulho é apropriada neste caso. Lembro-me que quando me deixei, pela primeira vez, engolir pelo mar, após freqüentar o curso de mergulho autônomo. Senti que estava entrando um novo mundo, uma dimensão diferente, fascinante, com uma lógica própria e até então desconhecida para mim. Ao voltar para o barco, o instrutor quis conhecer meu sentimento, e eu lhe disse: “quando vi aquele mundo lá em baixo, tive a impressão que estive com os olhos fechados até então”. Era o que eu estava sentindo, de verdade.

Pensar bem é parecido com isso. É abrir os olhos para uma realidade que não enxergávamos direito porque não olhávamos só para ela. Muitas vezes teimamos em tentar entender a vida transformando nossa atenção em um calidoscópio cujas peças formam imagens diferentes a cada instante e não temos à nossa frente uma realidade, temos várias, e não sabemos qual escolher. Nessa hora, pense bem.

A Razão e a Sandice

Que Machado de Assis foi um gênio ninguém duvida. Com sua obra colocou a literatura brasileira em um novo patamar. Em 1881 publicou Memórias póstumas de Brás Cubas. O personagem central é um homem comum que estudou direito em Coimbra, teve um cargo público, tentou ser ministro sem sucesso, investiu tempo e dinheiro na criação de um emplasto que não deu certo, nunca se casou, não teve filhos e morreu angustiado. Brás Cubas tinha um amigo chamado Quincas Borba, uma namorada chamada Eugênia e uma amante chamada Virgília, morreu aos 64 anos e só entendeu a vida depois da morte. Foi quando ele parou para pensar bem.

Com Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis inaugurou o Realismo Psicológico. O foco central desse romance não é a vida da sociedade, a descrição da cidade, das paisagens ou das pessoas. Não interessa quem são os personagens e sim a forma como eles sentem e como se relacionam com suas circunstâncias. O foco de Machado de Assis, nesse livro, é o interior das pessoas, seus dilemas existenciais, suas contradições emocionais. Não interessa o fato mundano, e sim a vida interior, a alma humana. A marca registrada desse enredo, é que ele é contado por um defunto. Brás Cubas dedica a obra ao primeiro verme que comeu sua carne.

Em um dos capítulos o defunto autor (e não autor defunto, esclarece) cria dois personagens antagônicos que, segundo ele, costumam nos transformar em suas moradas: a Razão e a Sandice. Só depois de morto Cubas consegue dar força à Razão para que esta expulse a Sandice de casa. Disse a Razão à Sandice, quando esta lhe pede apenas um espaço no sótão da casa (um cantinho em nossa consciência):

– Estou cansada de lhe ceder sótãos, cansada e experimentada. O que você quer é passar mansamente do sótão à sala de jantar, daí à de visitas e ao lesto.
– Está bem, mas deixe-me ficar um tempo mais, estou na pista de um mistério…
– Que mistério?
– O da vida e da morte. Peço-lhe só uns dez minutinhos.
A razão pôs-se a rir.
– Hás de ser sempre a mesma cousa… sempre a mesma cousa… sempre a mesma cousa…
E dizendo isto, travou-lhe dos pulsos e arrastou-a para fora; depois entrou e fechou-se. A Sandice ainda gemeu algumas súplicas, grunhiu algumas zangas; mas desenganou-se depressa, deitou a língua de fora, em ar de surriada, e foi andando…
Dentro de Brás Cubas, a Razão já tinha cedido espaço à Sandice outras vezes. Desta vez, foi como se ela tivesse dito: “Pensando bem, chega de lhe dar guarida. Pensando bem, estou cansada de você. Pensando bem, nossa relação termina aqui”.

Pensando bem…

O mundo moderno valoriza as pessoas que pensam melhor. A lógica aplicada à tomada de decisões, a velocidade do raciocínio para resolver problemas intrincados e uma memória capaz de recuperar fatos e nomes com rapidez são qualidades admiradas e até cultuadas. As emoções são importantes, desde que estejam sob controle do pensamento – a famosa inteligência emocional. “A vida é uma comédia para os que pensam, e uma tragédia para os que sentem”, disse o escritor inglês Horace Walpole. Será?

Será que pensar bem significa que a razão deve escravizar a emoção, o pensamento acorrentar o sentimento? Não, não se trata de uma disputa entre a razão e a emoção e sim entre a razão e a não razão, que Machado chamou de Sandice. Eu prefiro Machado de Assis.

Pensar bem quer dizer organizar o pensamento. Não significa apenas pensar e não sentir. Até porque o sentimento é o gatilho do pensamento. Pensamos nossa vida prática porque sentimos nossa vida interior, pensamos a engenharia porque ela facilita a vida e sentimos a poesia porque ela justifica a vida, pensamos a agenda para evitar a ira do tempo e apenas sentir as suas benesses.

Pensar bem significa ampliar a consciência e a capacidade de análise. Significa aprofundar a visão, como o mergulhador que parecia estar de olhos fechados até então. Significa aumentar o interesse pelos sinais da vida, usando uma lupa para concentrar a energia e acender o fogo do conhecimento. Significa perceber que as ciências, as artes, as filosofias, são companheiras interdependentes que, só em equipe, conseguem, de fato, dar clareza ao mundo.

Pare um pouco, apeie do bonde do motorneiro louco contratado pela mídia que define o sucesso, e pense bem. Pense nos valores reais, na amizade, na verdade, na justiça. Pense no trabalho porque ele dá dignidade e alegria, além de pagamento. Pense na felicidade construída pela razão a pedido da emoção. Pense na finitude da existência e na infinitude da vida. Pense nos sentimentos daqueles que você ama, e que amam você. Pense no amor. Pense bem…
 

11 de janeiro de 2010 | Por Eugenio Mussak
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ArtigosRevista Vida Simples

SERIA TÃO DIFERENTE

Seria tão diferente
se os sonhos de que a gente gosta
não terminassem tão de repente...

Seria tão diferente
se os bons momentos da vida
durassem eternamente...

Seria tão diferente
se a gente de que a gente gosta
gostasse um pouco da gente...

Seria tão diferente
se quando a gente chorasse,
fosse só de contente...

Seria tão diferente,
se a gente que a gente ama
sentisse o que a gente sente...

Mas... é tudo tão diferente...

Os sonhos de que a gente gosta
terminam tão de repente...
Os bons momentos da vida não duram eternamente...
A gente de quem a gente gosta nem
sempre gosta da gente...
Das vezes que a gente chora, poucas vezes são de contente...
E a gente que a gente ama não sente o mesmo que a gente...

Mas... poderia ser tão diferente...

Dê-se uma chance de ser diferente...

Tente, ouse, opte pela felicidade e aí
será diferente.

Feliz daquele que acredita em seus sonhos,
pois só assim poderá realizar seus
voos plenamente.

A PERFEIÇÃO


O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.


O GUARDA

 

Era tarde de domingo, momento em que eu desfrutava as últimas horas de ócio do fim de semana, quando a campainha tocou com insistência. Atendi, mas antes que eu pudesse dizer alô! Ouvi uma voz alegre do outro lado da linha a me desejar boa noite. Sorri, pois já havia identificado o sotaque inconfundível do Toninho, um guarda de quarteirão que há algum tempo se tornou meu amigo de prosa. Amizade esta que começou quando ele apareceu no portão da minha casa pela primeira vez e se identificou como vigilante noturno da redondeza desejando-me um Feliz Natal! Muito simpático e bom de proza discorreu sobre vários assuntos ao mesmo tempo, desde o cotidiano de sua profissão até pormenores da vida particular e familiar. Confesso que fiquei confuso e por alguns instantes o meu consciente divagou sobre as pretensões daquele sujeito.  A minha reação foi a de buscar uma solução imediata para me livrar do tal imprevisto. Perguntei o quanto eu tinha de pagar de mensalidade para ele me colocar no rol da sua freguesia. Com um olhar acanhado e meio sem jeito respondeu: Não! O senhor não tem que pagar nada, na realidade eu não posso atuar nesta sua rua, sou de outro setor que começa na esquina de baixo. Eu só quero dizer que apesar de não ser deste setor eu sempre estou de olho na sua casa, pois passo aqui em frente varias vezes a noite. Só passei aqui mesmo para desejar um feliz natal (realmente já era época natalina) e dizer que estou à disposição caso o senhor viaje ou precise de algum serviço. Foi o suficiente para eu tirar a carteira do bolso e lhe dar um agrado financeiro. Percebi que o seu semblante mudou. A partir daí, o Toninho nunca mais me esqueceu, seja no Natal, na Páscoa ou em outros momentos que ele acha que eu mereça sua visita. Sempre o convido a entrar para uma água e um cafezinho, ás vezes aceita, outras agradece e recusa na justificativa de que não pode ausentar-se do seu posto de serviço.  Confesso que me surpreendi com a última visita que ele me fez, afinal não era nenhuma data específica que costumeiramente se torna motivo para sua visita, quando abri o portão ele estava com uma sacolinha de plástico com alguns limões para me oferecer. Disse que havia colhido no quintal da casa de sua mãe onde os frutos haviam produzido em abundância, então havia se lembrado de mim. Numa dessas datas que antecedeu o domingo de Páscoa tive a oportunidade de retribuí-lo mais uma vez com alguns mimos em agradecimento aos relevantes serviços que, segundo ele, me presta de forma voluntária durante o ano. Confesso que embora não o tenha visto passar em frente a minha casa, ouço o silvo de seu apito nas quadras adjacentes com um soado distante que desperta o meu sono.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

CASA MOREIRA FOI UM MARCO NO COMÉRCIO DE DRACENA

 

Dracena contou por muitos anos com uma loja da Casa Moreira, localizada na Rua Brasil esquina com a Rua Messias Ferreira da Palma. O português Gentil Moreira fundou sua empresa em 1923, em Promissão, e teve atuação em diversas cidades e estados. O grupo foi assumido pelos Supermercados Bandeirantes, com encerramento de atividades na década de 1990. 

(fonte: Blog Bastidores da notícia de dracena)

quinta-feira, 30 de abril de 2020

HISTÓRIA HUMANA (Ferreira Gullar)


A história humana não se desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não tem voz.

domingo, 26 de abril de 2020

VISTA CANSADA (Otto Lara Resende)


Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa ideia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.



Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.

Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.

Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima ideia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.

Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.




Texto publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, edição de 23 de fevereiro de 1992.