OS IRMÃOS PRODUTIVOS
Os irmãos produtivos (alcunha irônica imposta por pessoas maldosas que alegavam que eles nunca produziam nada) procuravam financiamento no Banco todos os anos. Eram enquadrados como mini-produtores da agricultura familiar. Num pedaço de terra de aproximadamente dois alqueires paulista eles sobreviviam numa casa de pau a pique de quatro cômodos apertados com mais quatro irmãos e uma irmã. Todos já passados da meia idade e solteiros.
Os dois mais velhos é que tomavam a frente de tudo. Um chamava-se Cornélio e o outro Laurindo e eles eram inseparáveis. Andavam sempre juntos, ou melhor, quase juntos, pois só se via o Cornélio na frente e o Laurindo, o baixinho, a uns dois passos atrás.
Parecidos fisicamente, o que os distinguia era a estatura, um era mais alto. Brancos, pele enrugada, olhos miúdos, nariz avantajado, boca pequena, corpo curvado pra frente, andavam com as pernas curvadas no joelho no fiel estilo canguru. A indumentária era simples: Chapéu de palha na cabeça, camisa xadrez, calça na canela e sapatão de boca aberta furado na ponta. Eram cópias fiéis do famoso personagem de Monteiro Lobato: Jeca Tatu.
Um dia os dois chegaram no Banco com o intuito de financiar o plantio de feijão. Haviam chegado cedo, enfrentado uma fila enorme para ser atendido e agora estavam ali encostados no Balcão, chapéu debaixo do braço, olhares assustados e gaguejando ao balbuciar as palavras.
- Pois não! Disse o funcionário dirigindo-se a eles. O que desejam?
- Nóis quiria um dinheirinho de modi qui a gente pudesse toca a nossa terrinha.
- Quem é o avalista? Perguntou o atendente.
- É o nosso irmão mais novo.
- Mas qual é o nome completo dele.
- É Beja
- Beja de quê?
- Sei não sinhô, responderam os dois ao mesmo tempo fazendo um coro quase perfeito. Nóis sempre cunhecemo ele por Beja.
- Então os senhores podem ir embora e volte amanhã junto com o avalista. E avise a ele que precisa trazer os documentos, reforçou o funcionário.
Os dois, ao mesmo tempo, levaram o chapéu à cabeça e saíram cabisbaixos, um atrás do outro como de costume. Estavam tão compenetrados olhando para o chão que não perceberam a porta de vidro logo à frente. O primeiro meteu a cabeça no vidro com tanta força que um galo na testa se manifestou de imediato; o segundo, enfiou o nariz nas costas do da frente que o deixou mais vermelho que um pimentão. Aí, envergonhados, trataram de saírem o mais rapidamente possível.
Voltaram no dia seguinte, efetivaram o financiamento e voltaram para casa, sem antes não deixar de passar no caixa do Banco e retirar o valor que lhes foram creditados.
Passaram-se alguns dias, o fiscal do Banco foi fazer uma visita para acompanhar e avaliar o plantio da lavoura. E tal não foi o espanto quando percebeu que a terra estava num mato só e não havia sido plantado nada.
- Mas seu Cornélio, falou o fiscal dirigindo-se ao mais velho. O senhor não preparou a terra e nem plantou o feijão....
- É moço, foi estrução do homi do Banco.
- Mas que homi do Banco?
- O seu dotô, ele passo aqui e dissi uma coisa que a gente achô mio não prantá.
- O que ele disse? Retrucou o fiscal, já entendendo que quem tinha passado lá era o agrônomo do Banco, cuja função é orientar os agricultores para o plantio.
- Ele disse pra nois pega o tratô e tomba a terra. Mas nois num temo tratô!?
- Mas porque não fizeram o serviço com a enxada?
- Ah! Só tem uma enxada e tá muito veia e eu num quis arrisca, não sinhô.
- E o dinheiro do financiamento.
- Ah! u dinheiro, nóis cumpremo arroz, feijão, algumas misturinhas e aquela vaquinha ali dimode que a gente possa tirar um leitinho.
- Mas se vocês não plantarem como vão produzir?
- Nóis vamo pranta sim sinhô. To só esperando chuvê pra prantá pasto e bota a minha bichinha e mais o Bode e os carnero pra pasta.
- Mas como vocês vão pagar o financiamento?
Ah, É? E tem qui pagá? Os otros nóis nunca paguemo?
Impaciente, o fiscal entrou no carro e foi embora. No caminho ia pensando na melhor maneira de preencher o relatório.
Nenhum comentário:
Postar um comentário