quinta-feira, 30 de julho de 2009

Aconteceu por estas bandas

OS IRMÃOS PRODUTIVOS

Os irmãos produtivos (alcunha irônica imposta por pessoas maldosas que alegavam que eles nunca produziam nada) procuravam financiamento no Banco todos os anos. Eram enquadrados como mini-produtores da agricultura familiar. Num pedaço de terra de aproximadamente dois alqueires paulista eles sobreviviam numa casa de pau a pique de quatro cômodos apertados com mais quatro irmãos e uma irmã. Todos já passados da meia idade e solteiros.
Os dois mais velhos é que tomavam a frente de tudo. Um chamava-se Cornélio e o outro Laurindo e eles eram inseparáveis. Andavam sempre juntos, ou melhor, quase juntos, pois só se via o Cornélio na frente e o Laurindo, o baixinho, a uns dois passos atrás.
Parecidos fisicamente, o que os distinguia era a estatura, um era mais alto. Brancos, pele enrugada, olhos miúdos, nariz avantajado, boca pequena, corpo curvado pra frente, andavam com as pernas curvadas no joelho no fiel estilo canguru. A indumentária era simples: Chapéu de palha na cabeça, camisa xadrez, calça na canela e sapatão de boca aberta furado na ponta. Eram cópias fiéis do famoso personagem de Monteiro Lobato: Jeca Tatu.
Um dia os dois chegaram no Banco com o intuito de financiar o plantio de feijão. Haviam chegado cedo, enfrentado uma fila enorme para ser atendido e agora estavam ali encostados no Balcão, chapéu debaixo do braço, olhares assustados e gaguejando ao balbuciar as palavras.
- Pois não! Disse o funcionário dirigindo-se a eles. O que desejam?
- Nóis quiria um dinheirinho de modi qui a gente pudesse toca a nossa terrinha.
- Quem é o avalista? Perguntou o atendente.
- É o nosso irmão mais novo.
- Mas qual é o nome completo dele.
- É Beja
- Beja de quê?
- Sei não sinhô, responderam os dois ao mesmo tempo fazendo um coro quase perfeito. Nóis sempre cunhecemo ele por Beja.
- Então os senhores podem ir embora e volte amanhã junto com o avalista. E avise a ele que precisa trazer os documentos, reforçou o funcionário.
Os dois, ao mesmo tempo, levaram o chapéu à cabeça e saíram cabisbaixos, um atrás do outro como de costume. Estavam tão compenetrados olhando para o chão que não perceberam a porta de vidro logo à frente. O primeiro meteu a cabeça no vidro com tanta força que um galo na testa se manifestou de imediato; o segundo, enfiou o nariz nas costas do da frente que o deixou mais vermelho que um pimentão. Aí, envergonhados, trataram de saírem o mais rapidamente possível.
Voltaram no dia seguinte, efetivaram o financiamento e voltaram para casa, sem antes não deixar de passar no caixa do Banco e retirar o valor que lhes foram creditados.
Passaram-se alguns dias, o fiscal do Banco foi fazer uma visita para acompanhar e avaliar o plantio da lavoura. E tal não foi o espanto quando percebeu que a terra estava num mato só e não havia sido plantado nada.
- Mas seu Cornélio, falou o fiscal dirigindo-se ao mais velho. O senhor não preparou a terra e nem plantou o feijão....
- É moço, foi estrução do homi do Banco.
- Mas que homi do Banco?
- O seu dotô, ele passo aqui e dissi uma coisa que a gente achô mio não prantá.
- O que ele disse? Retrucou o fiscal, já entendendo que quem tinha passado lá era o agrônomo do Banco, cuja função é orientar os agricultores para o plantio.
- Ele disse pra nois pega o tratô e tomba a terra. Mas nois num temo tratô!?
- Mas porque não fizeram o serviço com a enxada?
- Ah! Só tem uma enxada e tá muito veia e eu num quis arrisca, não sinhô.
- E o dinheiro do financiamento.
- Ah! u dinheiro, nóis cumpremo arroz, feijão, algumas misturinhas e aquela vaquinha ali dimode que a gente possa tirar um leitinho.
- Mas se vocês não plantarem como vão produzir?
- Nóis vamo pranta sim sinhô. To só esperando chuvê pra prantá pasto e bota a minha bichinha e mais o Bode e os carnero pra pasta.
- Mas como vocês vão pagar o financiamento?
Ah, É? E tem qui pagá? Os otros nóis nunca paguemo?
Impaciente, o fiscal entrou no carro e foi embora. No caminho ia pensando na melhor maneira de preencher o relatório.

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