quarta-feira, 15 de setembro de 2010

ARGENTINA E URUGUAI EM VELOCIDADE DE CRUZEIRO

Por Ricardo Freire - Jornal Estadão de 14 de setembro de 2010.
Em dezembro recomeça a temporada de cruzeiros no Atlântico Sul. As companhias sempre reservam pelo menos algumas datas para viagens até o Rio da Prata. Como fazer cidades como Buenos Aires, Montevidéu e Punta del Este caberem nas poucas horas em que o navio fica ancorado? Esse é um trabalho para o Turista Profissional.
Buenos Aires pela primeira vez. Destrinchar o básico de Buenos Aires numa escala de cruzeiro não é difícil, porque os navios dormem uma noite no porto em todos os itinerários. Normalmente, você já pode desembarcar depois do café da manhã e tem até o início da noite do dia seguinte para passear pela cidade.
Não há por que ter pressa, por isso você não precisa negociar nada com os taxistas do porto. Aproveite o transporte gratuito do seu cruzeiro até o centro da cidade. Antes de mais nada, faça o câmbio. Minha sugestão: habilite o seu cartão de banco para saques internacionais direto da conta corrente em caixas automáticos. A outra opção é levar dólares ou reais e trocar numa das corretoras da Calle Sarmiento, que funcionam em horário bancário.
Pegue um táxi para o Caminito. Não porque seja interessante, mas porque eu sei que não vou convencer você de abrir mão de ir até lá. Então se livre dessa obrigação o mais cedo possível.
De lá, pegue outro táxi para a Plaza Dorrego, em San Telmo. O bairro tem seu encanto também nos dias em que não há feira: os arredores da praça continuam abertos. Tome um aperitivo no charmoso Bar Dorrego e, se já estiver na hora do almoço, provoque o seu primeiro encontro com a carne argentina: escolha entre o sujinho El Desnível (Defensa, 855) e o venerável La Brigada (Estados Unidos, 465).
Faça a digestão caminhando oito quadras pela Calle Defensa até a Avenida de Mayo. Você vai dar de cara com a Casa Rosada. Virando à esquerda, suba a Avenida de Mayo. Na calçada direita você vai encontrar o Café Tortoni, outro dos pontos obrigatórios de uma primeira vez na cidade. Tome a sobremesa: um café com churros.
Pegue outro táxi, agora para o elegante bairro da Recoleta. Peça para descer no cemitério. Entre para visitar o famoso túmulo de Evita. Na saída, perambule pelo bairro - a Avenida Alvear e a Calle Posadas (onde está o shopping Patio Bullrich).
À noite, se quiser assistir a um show de tango diferente do que os seus companheiros de cruzeiro vão ver, invista no Rojo Tango, o lindo espetáculo apresentado no cabaré do Hotel Faena (sim, aquele do Philippe Starck). Não há nenhum mais emocionante em cartaz na cidade. É preciso marcar com antecedência (o telefone é 00--54-11- 5787-1536). Reserve só o show, que começa às 22 horas, sem jantar (US$ 140). Deixe para jantar na saída, no El Mercado, o agradável restaurante prêt-à-porter do hotel. Antes do show, você pode dar uma passadinha ao entardecer no Puerto Madero (mas vai precisar ir de táxi até o hotel).
Reserve o segundo dia para compras. Comece pela Calle Florida, conferindo os produtos de couro, o shopping Galerías Pacífico, a loja de departamentos Falabella e a rede Farmacity (que costuma ter cosméticos a ótimos preços). Volte para o barco e guarde as sacolas antes do segundo round.
Pegue um táxi até a Avenida Córdoba, à altura do número 4.000: é onde estão concentrados os outlets. Dê uma escapadinha até a esquina de Gurruchaga e Aguirre para espiar os outlets de grifes locais (se resolver almoçar em um dos restaurantes de Palermo Soho, cuidado com as compras: há mãos-leves à espreita). Se quiser seguir os argentinos, faça uma fezinha no shopping Abasto, tradicional reduto de pechinchas.
Buenos Aires para iniciados. De manhã, depois de fazer o câmbio, passeie pela Recoleta até dar meio-dia, quando abre o Malba (Figueroa Alcorta, 3.415), que tem a mais incrível coleção de arte latino-americana. Toque para Palermo Soho, para almoçar na churrascaria La Cabrera (Cabrera, 5.099). Namore vitrines nas Calles Honduras e El Salvador. À noite, programe um jantar em Palermo Hollywood - pode ser no Osaka (Soler, 5.608). Ou compre com antecedência ingressos para um concerto no Teatro Colón (tuentrada.com). Termine a noite numa milonga, o salão de tango frequentado por argentinos de carne e osso (veja o roteiro em buenosairesmilongas.com). No segundo dia, faça o roteiro das compras do tópico anterior.
Carne e teatro em Montevidéu. O porto fica convenientemente localizado na Cidade Velha. Tome um expresso no Café Brasilero, visite o Teatro Solís e sente no balcão de um dos restaurantes do Mercado del Puerto, onde a parrillada é preparada na sua frente. No domingo, não perca a Feria Tristán Narvaja, mais adiante na 18 de Julio. Se der tempo (os navios costumam zarpar depois das 17h), pegue um táxi e vá passear na rambla de Pocitos, gostosíssimo bairro à beira-rio.
Punta del Este para apressados. O tempo exíguo em que os navios permanecem em Punta prejudicam bastante a visita. Todos partem antes do pôr do sol (o que é um pecado). Se quiser escapar do city tour, reserve um carro com antecedência (na dollar.com.uy, por exemplo). A praia mais charmosa, José Ignacio, está a 40 km do porto - é provavelmente longe demais para o seu tempo. É mais seguro ficar pelo beach lounge de Bikini e Montoya, em La Barra - ou se contentar em passar em revista as mansões de Beverly Hills e dar um pulinho na Casapueblo, o mais famoso cartão-postal do pedaço.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

DIGA: TRINTA E TRÊS

Por Antonio Prata - Blog do estadão de 22/08/2010
Trinta e três. Quem diria. A adolescência foi na última quinta, ainda há resquícios dela na estante de CDs, no seu vocabulário, num canto do armário – uma camisa xadrez que não vê a luz do sol desde um show do Faith no More, em 1997 -, mas são resquícios. Vez ou outra você está no supermercado, comprando saco de lixo, queijo minas light e amaciante e vê uma turma de garotos e garotas carregando garrafas de Smirnoff Ice e sacolas de Doritos. Você olha para as franjas lambidas dos meninos, para os piercings das meninas e percebe, meio assustado, que aquele é um mundo distante. Sente alguma vergonha do seu carrinho.
Diga, trinta e três: trinta e três. Diga: o que você fez? A essa altura da estrada, uma parada é inevitável. Você desce do carro, contempla a vista do mirante. Não é um olhar para trás, como devem fazer os velhos, ao fim da vida – ou devem evitar fazê-lo, dependendo -, mas um olhar em volta: isso aqui sou eu. Daqui pra frente, não vai mudar muito, vai? Já deu tempo de descobrir que você não é um gênio da matemática, nem um fenômeno da ginástica olímpica.
Trinta e três anos. A idade de Cristo, alguém diz, e você logo pensa, repetindo um dos cacoetes de sua faixa etária: o que ele já tinha alcançado, com a minha idade? Bom, tinha transformado água em vinho, multiplicado peixes e pães, andado sobre as águas, levantado defuntos e conquistado uma multidão de fiéis em toda Judéia, Galiléia, Samaria, Efraim e arredores. E você, que não tem nem casa própria? Bom, também, naquele tempo era mais fácil – você tenta se consolar -, não tinha tanta concorrência e, oras, o cara era filho de Deus, o que não só abre portas, abre até o mar vermelho! Mas você se compara, mesmo assim: Jesus deve ter andado sobre as águas com o que? Dezessete? Orson Welles fez Cidadão Kane com vinte e cinco. Rimbaud escreveu toda a obra até os dezenove! E você tão feliz por ter conseguido mais quinze seguidores no Twitter.
(O lance do Mar Vermelho… Foi com Jesus ou com Moisés? Céus, trinta e três anos e você não sabe uma coisa dessas? Será que um dia vai saber? Quando tem treze, ou vinte e três, acha que uma hora vai aprender tudo o que não sabe, basta ficar parado que as coisas naturalmente virão e entrarão na sua cabeça. Agora você percebe que talvez passe a vida ignorando certos assuntos. Mar Vermelho. As regras do gamão. Francês.)
Pense: um homem. Pense: uma mulher. Adultos, no sentido mais abstrato, como um casal num livro de inglês ou num vídeo de normas de segurança do DETRAN. Espécimes maduros do homo sapiens sapiens: eles devem ter a sua idade. Talvez tenham filhos. Você tem filhos, ou ainda não? Repare no “ainda não”, pois de todas as coisas que você não conquistou até agora, há que saber discernir entre as que podem vir acompanhadas por um “ainda não” e aquelas das quais é melhor desistir. Andar sobre as águas, gênio da matemática, fenômeno da ginástica olímpica: não é pra todo mundo. E aos trinta e três anos, meu chapa, é a hora de admitir: você é todo mundo. Sei que é difícil. Viu filmes da Sessão da Tarde demais, propagandas da Nike demais, foi mimado demais para admitir que Deus não passou mais tempo moldando a sua fôrma do que a do vizinho do 71. É a não compreensão desse banal infortúnio que faz com que haja em tantos rostos de sua idade um brilho opaco, um fungo que brota onde o sol não bate forte o suficiente: o ressentimento.
Acredite em mim: aos trinta e três anos, de Jesus pra baixo, todo mundo é ressentido. Não é que as pessoas vivam vidas ruins, as aspirações é que são muito altas. A Sessão da Tarde, as propagandas da Nike… Seu emprego é bom, mas o salário é ruim. O salário é bom, mas o chefe é mala. O chefe é você, mas os prazos não te dão sossego. Sempre tem um cunhado que ganha mais, um vizinho cuja grama é mais verde, o próximo cuja mulher é mais fornida; Jesus, aos trinta e três, o Orson Welles, aos vinte e cinco – e o mau exemplo do Rimbaud eu nem comento.
Trinta e três anos. Você para. Desce do carro. Olha em volta. Você é o que queria ser quando crescesse? Não exatamente? Por que não? Será que dá pra mudar? Quanto dá pra mudar?
É preciso achar lugar no peito para as frustrações. É preciso lidar com o ressentimento e não deixar, em hipótese alguma, que ele se transforme em cinismo – se ressentimento é fungo, cinismo é ferrugem. Agora volte para o carro e siga em frente. Se tudo der certo, você não está nem na metade do caminho.
Diga, trinta e três: trinta e três. Quem diria